domingo, 4 de novembro de 2012

EJA NO DIURNO PARA CONTER A MIGRAÇÃO DE ADOLESCENTES PARA O NOTURNO?

Um debate se apresenta de forma urgente: que medidas podem ser adotadas para se evitar a grande transferência de adolescentes para a EJA à noite?
Adolescentes assistem palestra na EMEF João Paulo I

O presente documento encaminhado ao Conselho Municipal de Educação de Canoas recebeu Parecer favorável com a ressalva de que a adoção de tais turmas pelas escolas não implique na negação da oferta de vagas para os alunos em idade regular para ingresso no ensino fundamental. Claro deve ficar também, que o objetivo era encontrar um dispositivo no Regimento da EJA que amparasse as escolas de desejassem a criação das turmas de EJA diurnas para adolescentes entre 15 e 17 anos de idade, preferencialmente. Nada de forma compulsória.
Com o advento dos EREJAs e do IV SNF, submeto o documento como forma de provocar uma discussão aberta tanto no endosso como na contestação para elencar uma conjunção de argumentos que aprofundem o tema proposto.
Boa Leitura!


EJA – EDUCAÇÃO JUVENTUDE CIDADÃ – UMA PROPOSTA DE POLÍTICA PÚBLICA PARA ANÁLISE DO CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO (CME) DE CANOAS

INTRODUÇÃO

            O sistema educacional apresenta diferentes modalidades e níveis de ensino, mas tal como um mosaico, todos são peças de uma estrutura que resulta da justaposição de suas partes com interferência umas nas outras para o devido encaixe. Logo, o formato de uma peça acaba sendo estabelecido ou moldado de acordo com o formato da peça anexa.
            A Educação de Jovens e Adultos, seguindo a metáfora, é uma das peças desse imenso mosaico que compõe o painel da educação, e como tal, não pode ser vista separadamente, pois sofre ou exerce influência sobre outras partes.
            Do ponto de vista teórico, a Educação de Jovens e Adultos existe no sentido de cumprir entre suas funções, a reparadora (Cury, Parecer CEB nº 11/2000).

“...a Educação de Jovens e Adultos (EJA) representa uma dívida social não reparada para os que não tiveram acesso a e nem domínio da escrita e leitura como bens sociais, na escola ou fora dela...” (Cury p. 5)
“... Fazer a reparação desta realidade [existência de grupos sociais excluídos], dívida inscrita em nossa história social e na vida de tantos indivíduos, é um imperativo e um dos fins da EJA porque reconhece o advento para todos deste princípio de igualdade.” (Cury p. 6).
“... a função reparadora da EJA, no limite, significa não só a entrada no circuito dos direitos civis pela restauração de um direito negado: o direito a uma escola de qualidade, mas também o reconhecimento daquela igualdade ontológica de todo e qualquer ser humano. Desta negação, evidente na história brasileira, resulta uma perda: o acesso a um bem real, social e simbolicamente importante.” (Cury p. 7)
“O término de uma tal discriminação não é uma tarefa exclusiva da educação escolar. Esta e outras formas de discriminação não tem o seu nascedouro na escola. A educação escolar, ainda que imprescindível, participa dos sistemas sociais, mas ela não é o todo destes sistemas. Daí que a busca de uma sociedade menos desigual e mais justa continue a ser alvo a ser atingido em países como o Brasil”. (Cury p. 7)
“... a universalização do ensino fundamental, até por sua história, abre caminho para que mais cidadãos possam se apropriar  de conhecimentos avançados tão necessários  para a consolidação de pessoas mais solidárias e de países mais autônomos e democráticos. E, num mercado de trabalho onde a exigência do ensino médio vai se impondo, a necessidade do ensino fundamental é uma verdadeira corrida contra um tempo de exclusão não mais tolerável.” (Cury p. 8)
“... A igualdade e a desigualdade continuam a ter relação imediata ou mediata com o trabalho. Mas seja para o trabalho, seja para a multiformidade de inserções sócio-político-culturais, aqueles que se virem privados do saber básico, dos conhecimentos aplicados e das atualizações requeridas podem se ver excluídos das antigas e novas oportunidades do mercado de trabalho e vulneráveis a novas formas de desigualdades.” (Cury p. 9)

            Há uma fatura a ser quitada, digamos assim. Essa dívida não pode ser eternizada, sob pena do Estado e da sociedade jamais conseguirem reparar a injustiça social estabelecida historicamente. Somando-se a isso, muito menos permitir que novas dívidas venham a surgir na contemporaneidade perpetuando a desigualdade. Nesta linha de raciocínio, o ingresso de educandos na modalidade EJA deve ter tendência à diminuição como prova do efetivo reparo.
            Em meu estudo recente sobre a questão da evasão na educação de jovens e adultos, faço uma abordagem sobre a juvenilização crescente na modalidade, cuja maior oferta ou quase que exclusivamente ocorre no noturno. Essa abordagem faz parte da minha Tese de Conclusão de Curso do Curso de Especialização em Educação de Jovens e Adultos e Privados de Liberdade, ministrado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A seguir, menciono o trecho sobre tal tema como forma de consubstanciar a argumentação para a criação da EJA - Educação Juventude Cidadã:

DISTORÇÃO IDADE-SÉRIE: SEARA DA EJA

            A tradição e as crenças alicerçam a ideia de que a educação ou o grau de estudo está associado ao sucesso. Historicamente, é o elemento propulsor para associar as trajetórias de vidas às salas de aula. Formar-se e ter um diploma, é sinônimo de realização pessoal, profissional e de abertura de oportunidades ao longo da vida.
            A educação de jovens e adultos surge como alternativa para aqueles que não tiveram a chance de estudar na idade adequada. Seja porque seus direitos não foram respeitados pelo poder público ou em função das necessidades imediatas inerentes à própria vida, como o trabalho precoce, o que sob a égide do Estado capitalista não deixa de estar associado ao primeiro elemento.
            Segundo Sônia Maria Rummert, em Educação de jovens e adultos trabalhadores no Brasil atual: do simulacro à emancipação,

Para compreendermos a educação de jovens e adultos trabalhadores, em sua atual configuração, faz-se necessário tomá-la em sua historicidade, relacionando-a aos determinantes socioeconômicos que a condicionam. A partir do ciclo econômico iniciado na década de 1930 e que tomou corpo a partir dos anos 1950, adquire forma o processo de industrialização, cuja matriz cultural assentava-se em três pontos centrais: o fetiche do progresso e do desenvolvimento de cariz conservador, a ênfase na virtuosidade do trabalho sob os moldes da lógica capitalista e a promessa de ascensão social pela via da educação (p.178/179).

            Mesmo os jovens, acima de 15 anos, que hoje superlotam as salas da modalidade EJA, de uma forma ou outra, ao ingressarem nas estatísticas da distorção idade-série, também foram e são vítimas de um sistema que os impulsiona a migrar para educação de jovens e adultos. O avanço da idade e suas consequências, levando ao desajuste frente aos pequenos na sala de aula, as múltiplas repetências, os alegados atos de indisciplinas e a busca de autonomia tendo o trabalho como condição para a mesma são também elementos condicionantes para a migração para a EJA.
            Embora analisando a partir de estudos realizados junto aos educandos do ensino médio, Carmen Brunel, na obra Jovens cada vez mais jovens na educação de jovens e adultos, oferece, por analogia, contribuição também para a juvenilização crescente no ensino fundamental da modalidade EJA, destacando:

O rejuvenescimento da população que frequenta a Educação de Jovens e Adultos (EJA) é um fato que vem progressivamente ocupando a atenção de educadores e pesquisadores na área da educação. O número de jovens e adolescentes nesta modalidade de ensino cresce a cada ano, modificando o cotidiano escolar e as relações que se estabelecem entre os sujeitos que ocupam este espaço.
Os jovens, quando chegam nesta modalidade, em geral, estão desmotivados, desencantados com a escola regular, com histórico de repetência de um, dois, três anos ou mais. Muitos deles sentem-se perdidos no contexto atual, principalmente em relação ao emprego e à importância do estudo para a sua vida e inserção no mercado de trabalho (p.9).
Sabedores de que este mercado, hoje, é extremamente restrito, seletivo e que exige o máximo de qualificação, faz com que optem por uma modalidade de ensino que seja mais rápida do que a escola regular (p.89).
Nesta procura, a EJA apresenta-se como uma opção atraente, [e] lhes proporciona a oportunidade de concluir os seus estudos num curto espaço de tempo, que na escola regular seria impossível (p.90).

            No artigo EJA: lutas e conquistas! – a luta continua: formação de professores em EJA, publicado na Revista Reveja, Laura Souza Fonseca cita:

A Educação Brasileira tem constituído significativos grupos de brasileiras/os expulsas/os da/na escola. Como nos traz Ferraro (1991), aquelas/es que não têm acesso, além das/os que o têm, mas não permanecem porque o sistema e as práticas educativas revelam-se incompatíveis para acolher e interagir com sujeitos pensantes e desejantes. Essa mesma escola que expulsa crianças, criando-lhes o estigma da ignorância, não pode ser capaz de interagir com os adultos, expulsos na infância, nem com a juventude que crescentemente vem sendo excluída da escola diurna. Desse modo, a continuar a escola tal como a temos manter-se-á um gerador permanente de demanda para a EJA.

            Tais palavras permanecem extremamente atuais. De acordo com a matéria “Avaliação do RS, Baixo desempenho na educação”, publicada no Jornal Zero Hora, no dia 8 de fevereiro de 2012, um em cada três estudantes gaúchos permanece no Ensino Fundamental mesmo depois de completar 16 anos – idade acima do recomendado, retardando o processo de aprendizagem. Consta ainda na reportagem que de acordo com o professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) Ocimar Munhoz Alavarse:

... esses estudantes, direta ou indiretamente, exercem pressão para que se amplie o Ensino de Jovens e Adultos (EJA) – uma modalidade que deveria caminhar para a extinção... O melhor dos mundos é quando os estudantes concluem o ensino médio com 16 anos. Mas, infelizmente, o Brasil está longe disso.

            Conforme o relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) Situação da Adolescência Brasileira 2011 – O Direito de Ser Adolescente: Oportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar desigualdades,

a baixa escolaridade resulta de um processo de exclusão que tem suas origens nos primeiros anos de vida dos adolescentes... As crianças e adolescentes chegam à escola, mas muitos deles não conseguem aprender e conquistar avanços em sua escolaridade por uma série de fatores relacionados à qualidade da educação e à precariedade do ambiente de aprendizagem. Pouco estimulados e apoiados, algumas vezes pressionados a contribuir para a renda familiar, crianças e adolescentes iniciam um ciclo de repetência e acabam abandonando os estudos. À medida que as séries escolares avançam, aumentam os índices de distorção idade-série e de evasão... O abandono está diretamente ligado à trajetória de repetências que cria a chamada distorção idade-série, ou seja, crianças e adolescentes que cursam uma série escolar diferente daquela prevista para sua idade.

            O mesmo relatório fornece alguns dados estatísticos:

No Brasil, em 2009, do total de meninos e meninas de 15 a 17 anos, 85,2% estavam matriculados na escola. Porém, apenas pouco mais da metade deles (50,9%) estavam no nível adequado para sua idade: o ensino médio. Os demais (49,1%) ainda cursavam o ensino fundamental.
No mesmo ano, do total de 2,3 milhões de concluintes do ensino fundamental, 1,09 milhão (ou mais de 47%) tinham entre 15 e 17 anos: encontravam-se atrasados em seus estudos.
O acúmulo de repetências e abandono faz com que a escolaridade média de um adolescente brasileiro de 15 a 17 anos seja de 7,3 anos de estudo. Isto quer dizer que, em média, os brasileiros nesta faixa etária sequer completaram o ensino fundamental de ensino, que implica nove anos de estudo.

PARTICULARIZANDO O MUNICÍPIO DE CANOAS

            Inserido neste contexto está o município de Canoas. Conforme levantamento efetuado pela Unidade Administrativa da Secretaria Municipal de Educação, o número de alunos em distorção idade-série com 15 anos de idade ou mais, no diurno, em 2009, foi de 1.212. Em 2010 subiu para 1.789 e no ano de 2011 quase que se estabeleceu numa média entre os dois anos anteriores com 1.428 alunos. A tendência é grande parte deste número de educandos migrarem para a EJA.
            Outro dado significativo é o número de inscrições e rematrículas, por idade, realizadas na educação de jovens e adultos para o ano de 2012, onde o contingente de adolescentes entre 15 e 17 anos representou 53,5% dos educandos, o que atesta a crescente juvenilização da modalidade.
Logo, o município segue a lógica até então diagnosticada, com uma forte migração dos alunos do ensino regular do diurno para a educação de jovens e adultos no noturno, caracterizando uma juvenilização desta modalidade. Os dados estatísticos evidenciam o raciocínio traçado até aqui, ou seja, um aumento no número de matrículas na EJA. A maioria não trabalha ou devido ao avanço da idade e as necessidades de ordem econômica procuram iniciar sua jornada no mercado de mercado. Como forma de atender essa forte demanda, o município investe em políticas públicas voltadas para equacionar esse problema.
Uma delas foi a implantação de uma turma de EJA no diurno de forma experimental neste ano de 2012. Essa turma, em consonância com a Resolução nº 3, de 15 de junho de 2010, atende seu Art. 5º, cujo Parágrafo único diz:

Para que haja oferta variada para o pleno atendimento dos adolescentes, jovens e adultos situados na faixa de 15 (quinze) anos ou mais, com defasagem idade-série, tanto sequencialmente no ensino regular quanto na Educação de Jovens e Adultos, assim como nos cursos destinados à formação profissional, nos termos do § 3º do artigo 37 da Lei nº 9.394/96, torna-se necessário:
I – fazer a chamada ampliada de estudantes para o Ensino Fundamental em todas as modalidades, tal como se faz a chamada das pessoas de faixa etária obrigatória de ensino;
II – incentivar e apoiar as redes e sistemas de ensino a estabelecerem, de forma colaborativa, política para atendimento dos estudantes adolescentes de 15 (quinze) a 17 (dezessete) anos, garantindo a utilização de mecanismos específicos para esse tipo de alunado que considerem suas potencialidades, necessidades, expectativas em relação à vida, às culturas juvenis e ao mundo do trabalho, tal como prevê o artigo 37 da Lei nº 9.394/96, inclusive com programas de aceleração da aprendizagem, quando necessário;
III – incentivar a oferta de EJA nos períodos escolares diurno e noturno, com avaliação em processo.

            Agregamos aqui, o artigo Dívida com a EJA, publicado na coluna Debate Legal da Revista Escola – Gestão Escolar, agosto/setembro 2011, de autoria do professor de Políticas Educacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Juca Gil:

Chama a atenção o fato [da resolução CNE/CEB nº 3/2010] incentivar políticas específicas para os adolescentes de 15 a 17 anos devido à compreensão de que esses teriam características e necessidades diferenciadas dos demais alunos da EJA. A modalidade precisa ser adequada também para os cidadãos hospitalizados, ou privados de liberdade, as populações indígenas e quilombolas e os moradores do campo.
E mesmo para os habitantes das grandes cidades é necessário romper com alguns costumes, como o fato de a oferta de EJA ser predominantemente realizada no período noturno. Os não escolarizados que trabalham nas madrugadas estudarão quando? Os vigias noturnos e as faxineiras dos prontos-socorros e dos shopping centers estão fadadas a não ter diploma? As cozinheiras e os garçons que garantem nosso jantar não podem ir à escola? A dona de casa que precisa ficar à noite em casa com seus filhos e marido perde o direito ao ensino? Como fazem aqueles que vivem em regiões assoladas pela violência e têm de permanecer em casa quando a noite cai?
É essencial manter as escolas abertas nos períodos matutino e vespertino para os jovens e adultos estudarem. Um modelo único tende a não respeitar as especificidades dos diversos perfis a que a modalidade atende, tornando-o propenso ao fracasso. Será que é tão difícil adequá-lo às demandas de seu público?

A transferência discente se comprova na medida em que analisamos os dados sobre o número de matrículas na EJA em igual período. Vamos tomar por base as séries finais do ensino fundamental.

MATRÍCULAS
Escolas
2007
2008
2009
TOTAL
4183
4732
5086 
Fonte: Unidade Administrativa - SME

A evasão na EJA então, sob esse prisma, pode ser considerada como uma nova “injustiça social”, o que a torna um tema preocupante, fazendo com que esta modalidade descumpra suas funções: reparadora, equalizadora e qualificadora (Jamil Cury, Parecer 11/2000, p. 5).
            Mas adequar a EJA às exigências da tripla função significa fornecer as condições necessárias para o pleno atendimento das mesmas. E aqui, o olhar recai sobre o poder público constituído através das diferentes formas de expressões e olhares dos governos responsáveis por essas condições.
            Não obstante, além dos argumentos até então elencados, acrescentamos um último elemento configurado na matéria do Jornal Zero Hora do dia 2 de julho do corrente ano (anexo), cuja manchete de capa destaca: “Adolescentes mudam o perfil do ensino de jovens e adultos no RS”, trazendo ainda que; “Contrariando tendência nacional de queda, a quantidade de menores de 18 anos no supletivo aumenta ano após ano no Estado. Só em 2010, cresceu 10%”. Em seu interior, o diário intitula a reportagem como: “Escola abreviada – Febre adolescente no supletivo”, destacando entre “os porquês do fenômeno”; a reprovação, as dificuldades socioeconômicas, a gravidez na adolescência, o mercado de trabalho e a facilidade do atalho para a conclusão do ensino fundamental.
            Porém, é bom que se destaque que nem todos os jovens que ingressam na EJA e, consequentemente, em nosso município no noturno, estão inseridos no mercado de trabalho. Assim, durante o dia não estão estudando e nem trabalhando, permanecendo de forma ociosa quando grande parte dos pais trabalha fora para manterem a família. Não sendo o tema aqui, cabe refletir sobre tal situação temerária, com a possibilidade de consequências de aspectos negativos para esses jovens dentro de uma realidade social conturbada. Neste tocante, recorro à obra do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente do Ministério Público do Estado do Paraná, de título Estatuto da Criança e do Adolescente Anotado e Interpretado, Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (atualizado até a Lei nº 12.010, de 03 de agosto de 2009) de autoria de Murillo José Digiácomo e Ildeara de Amorim Digiácomo, quando da abordagem do Inciso VI do Art. 54 do ECA, o qual diz: “É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do adolescente trabalhador. Interpretam os autores:

Da inteligência do dispositivo, que vincula o ensino noturno ao trabalho do adolescente, fica claro que deve ser o quanto possível evitada a matrícula de crianças ou adolescentes no ensino noturno, o que somente deverá ocorrer caso comprovada a necessidade, em razão do trabalho, na condição de aprendiz, a partir dos 14 (quatorze) anos, ou trabalho regular, a partir dos 16 (dezesseis) anos de idade. Além dos “perigos” da noite, que por si só já não tornam recomendável o estudo no período noturno, parte-se do princípio que este é atentatório à convivência familiar da criança/adolescente com seus pais ou responsável, na medida em que estes geralmente trabalham durante o dia e somente teriam contato com aqueles à noite. O estudo noturno, portanto, reduz sobremaneira, quando não impede por completo, o contato diário da criança/adolescente com seus pais ou responsável, expondo-os a perigos e a toda sorte de influência negativa externa, com evidentes prejuízos à sua formação. Importante também destacar que a proposta pedagógica oferecida aos adolescentes que trabalham, assim como aos jovens que apresentam defasagem idade-série, deve ser diferenciada e altamente especializada, de modo a atender suas necessidades pedagógicas específicas, respeitando as peculiaridades destas categorias de alunos. Os professores encarregados de ministrar as aulas também deverão ser adequadamente selecionados e capacitados (valendo neste sentido observar o disposto no art. 62, da LDB), devendo ser dado ênfase ao desenvolvimento de novas propostas relativas à metodologia, didática e avaliação tal qual previsto no art. 57, do ECA (pág. 75).

            Seguindo novamente a reportagem, igualmente, como ponto de reflexão, é bom destacar o que diz a Coordenadora da EJA estadual Adriana Soares Rodrigues quando questionada sobre os motivos de tal fenômeno:
“Não gostaria de emitir um diagnóstico, porque não fizemos essa discussão. Temos de nos debruçar sobre o tema para entender melhor.”

            Mais adiante, enfatiza:

“Se o jovem não concluiu o fundamental até os 14 anos de idade, significa que teve um percurso acidentado. Estar no EJA não significa um empobrecimento da educação dessa pessoa. É dar conta das características dessa pessoa ... da idade, o que, às vezes, a proposta pedagógica da escola seriada não faz.”

            Na mesma linha, a professora Maria Conceição Pillon Christofoli, da Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS), interpreta o fenômeno como um sintoma de problemas na escola regular, que não está conseguindo lidar com a diversidade de idades em sala de aula adequadamente.
            Em resposta à pergunta: Por que adolescentes estão migrando para o EJA, a doutora em educação Carmen Teresinha Brunel do Nascimento, já citada nesta dissertação, coloca:

“Esse fenômeno surgiu na década de 90 e vem se acentuando. A escola ainda é lugar da infância. Quando chega à 6ª ou 7ª série, o adolescente, muitas vezes, não se encontra mais, porque a escola não mudou. Depois de uma ou duas reprovações, ele é o maior da turma e quer encontrar outro local, com o qual se identifique. Essa situação mostra que a escola regular não está bem e que precisa mudar. A juvenilização é só a ponta do iceberg.”

            Bem, o objeto deste arrazoado não é “debruçar-se” sobre o tema “ensino/escola regular” e a sua funcionalidade, muito embora pareça inequívoca tal necessidade. Se a média nacional da presença de adolescentes na EJA é de 14,7% e no Rio Grande do Sul é de 23,4%, conforme a reportagem, preocupante é constatar, mesmo que informalmente, que o município de Canoas se depara com o índice de 53,5%.
            Concluindo, é premente a necessidade de apresentarmos alternativas para ajustarmos tal distorção. Mesmo que, havendo alguns entendimentos de que não cabe tal iniciativa política à modalidade de Educação de Jovens e Adultos, é inegável que é sobre ela que recaem as consequências do contexto. Portanto, mesmo compreendendo as especificidades de cada segmento da educação pública, não devemos nos furtar do entendimento de que os fragmentos formam um todo em termos de políticas públicas para a educação por parte da mantenedora, à qual essa modalidade está vinculada. Tal abordagem e proposta a seguir, pretende ser no mínimo provocadora, bem como traz a consciência de que a EJA procura cumprir seu papel.

RECORRENDO AO REGIMENTO ESCOLAR DA MODALIDADE EJA

            Desnecessário reproduzir o aqui já citado Parágrafo único do Art. 5º da Resolução nº 3, de 15 de junho de 2010. Mas devemos salientar que a educação de jovens e adultos do município de Canoas possui seu Regimento padrão, aprovado em 2011 pelo Conselho Municipal de Educação - CME, o qual, em seu Artigo 1º, dentro das finalidades e objetivos, grifando a parte coadunada com o texto da Resolução Nacional, faz constar o seguinte:

“A Educação de Jovens e Adultos – EJA, mantida pelo poder público municipal de Canoas, como modalidade do Ensino Fundamental, constitui-se direito dos jovens e adultos, tendo atribuição de assegurar, gratuitamente, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características dos educandos, seus interesses, suas condições de vida e de trabalho, mediante educação de qualidade àqueles que não tiveram acesso e/ou não concluíram o Ensino Fundamental na idade própria.”
           
            Com base em ambos, também agregamos, parcialmente, o inciso VII do Art. 6º do referido Regimento, o qual faz menção ao:

“Projeto EJA – Educação Cidadã, referente à Totalidade 2 para educandos acima de 18 anos, seguindo os princípios de uma metodologia transdisciplinar com a ministração das aulas de somente um profissional – unidocência.

            Invocando esse último somente no tocante à Totalidade 2 e à unidocência e, associando-o à Resolução CNE/CEB nº 3/2010, Art. 5º e seus parágrafos no que se refere ao incentivo de políticas “para atendimento dos estudantes adolescentes de 15 (quinze) a 17 (dezessete) anos, garantindo a utilização de mecanismos específicos para esse tipo de alunado” como “a oferta de EJA nos períodos escolares diurno”, propomos:

1)      ACRESCENTAR AO REGIMENTO DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS O INCISO VIII NO ARTIGO 6º COM O SEGUINTE TEOR: OFERTA DIURNA DA MODALIDADE DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS, PREFERENCIALMENTE AOS EDUCANDOS EM DISTORÇÃO IDADE-SÉRIE ENTRE 15 (QUINZE) E 17 (DEZESSETE) ANOS DE IDADE, DENOMINADA EJA – EDUCAÇÃO JUVENTUDE CIDADÃ, REFERENTE À TOTALIDADE 2 DO 2º SEGMENTO, COM BASE NA UNIDOCÊNCIA E CONHECIMENTO INTEGRAL.
2)     AGREGAR À PROPOSTA PEDAGÓGICA E CURRICULAR DA EJA, NA PÁG. 23, JUNTO AO TÍTULO EDUCAÇÃO CIDADÃ, O ÍTEM EJA – EDUCAÇÃO JUVENTUDE CIDADÃ, ASSIM FICANDO: EDUCAÇÃO CIDADÃ E JUVENTUDE CIDADÃ.
Obs. No corpo do texto correspondente ao item, substituir no 1º parágrafo, o termo trabalhadores envolvidos por educandos envolvidos.
3)   DELIMITAR O PRAZO DE 2 ANOS COMO PERÍODO MÁXIMO PARA A EXISTÊNCIA DA(S) TURMA(S), POR ESCOLA, TEMPO ENTENDIDO COMO IDEAL PARA O DESEJADO AJUSTE DISTORÇÃO IDADE-SÉRIE.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Conforme mencionado, a EJA – Educação Juventude Cidadã, cujo laboratório se localiza na EMEF Duque de Caxias, consiste numa proposta, com suporte legal, a ser apresentada para as escolas municipais que convivem com um grande número de alunos na distorção idade-série, evitando o fluxo constante para o noturno desses adolescentes não inseridos no mercado de trabalho, trazendo uma maior tranquilidade para a família dos mesmos e uma forma de tentar sanar uma preocupação constante do poder público no que se refere à segurança e a ações de prevenção à criminalidade e/ou delitos a que nossos jovens ficam sujeitos/vulneráveis.
            A unidocência é uma maneira de estabelecer um vínculo maior entre educador e educandos, apostando na afetividade como forma de reduzir a evasão.
            Nunca é demais mencionar, que embora os educadores da EJA tenham que conviver cada vez mais com a necessidade de conciliação entre os interesses e as diferentes idades e realidades encontradas em sala de aula, na prática, por vezes, o aprendizado fica comprometido pelos mundos sociointerativos desencontrados entre adolescentes e adultos. Não raras vezes, o educador menciona o alto contingente de adolescentes à noite como fator inibidor da presença e até de “expulsão” dos adultos que trabalham diariamente e que cansados não compactuam com o comportamento “frenético”, digamos assim, do jovem adolescente, o que se configura em motivo de evasão, da qual, até mesmo os jovens são acometidos em grande número no noturno.
            Entendemos, pelos argumentos aqui levantados e sustentados, ser exequível tal proposta. 

Prof. ALEXANDRE RAFAEL DA ROSA
Gestor da Unidade EJA

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BRASIL. Lei nº 9.394/96. Fixa as Diretrizes e Bases para a Educação Nacional, 1996.

BRASIL. CURY, C. Roberto Jamil. Parecer CNE/CEB nº 11/2000.

BRUNEL, C. Jovens cada vez mais jovens na educação de jovens e adultos. 2ª Ed. Porto Alegre: Mediação. 2008.

DIGIÁCOMO, Murillo José e Ildeara de Amorim. Estatuto da Criança e do Adolescente Anotado e Interpretado. Curitiba: Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente do Ministério Público do Estado do Paraná. 2010.

FONSECA, Laura Souza. EJA: Lutas e conquistas! – A luta continua: formação de professores em EJA. REVEJA – Revista de Educação de Jovens e Adultos. Ed. nº 3, p. 75-97. Belo Horizonte: NEJA/UFMG, 2008.

GIL, Juca. Dívida com a EJA. Revista Nova Escola. S. Paulo: Editora Abril, agosto/setembro 2011.

NAIFF, Luciene Alves Miguez e NAIFF, Denis Giovani Monteiro. Educação de jovens e adultos em uma análise psicossocial: representações e práticas sociais. Psicol. Soc., Dez 2008.

PINTO, Álvaro Viana. Sete lições sobre educação de adultos. Coleção Educação Contemporânea. Editora Autores Associados.

ROSA, Alexandre Rafael. Evasão na Modalidade EJA: Uma Análise Sob a Perspectiva Pedagógica na EMEF João Paulo I. Tese de Conclusão de Curso – Curso de Especialização em Educação de Jovens e Adultos e Privados de Liberdade. UFRGS. Porto Alegre, 2012.

RUMMERT, Sonia Maria. Educação de jovens e adultos trabalhadores no Brasil atual: do simulacro à emancipação. Florianópolis: Perspectiva, v. 26, n. 1, 175-208, jan./jun. 2008.

UNICEF. Situação da Adolescência no Brasil. O direito de ser adolescente: Oportunidade para reduzir vulnerabilidade e superar desigualdades. Brasília, DF: UNICEF, 2011.

2 comentários:

  1. Acredito que o assunto é de grande relevância. Temos realmente que compreender melhor o por quê das múltiplas repetências a que estes jovens inseridos na escola regular estão sujeitos, fazendo com que estes busquem na modalidade EJA uma oportunidade de corrigir a distorção idade/ano/série. Acredito que muitos destes acabam por entender em sua adolescência que finalmente os estudos são importantes para o ingresso no mercado de trabalho (mercado este que está cada vez mais exigente quanto a escolaridade e conhecimento). Nossa realidade hoje, mais que capitalista, é de conhecimento (capital intelectual), pois esse traz consigo muitas e melhores oportunidades. Penso que mais que criar EJAs diurnos para os adolescentes devemos repensar em melhorar as estruturas de nossa escola regular (fundamental)para que nossas crianças e adolescentes possam concluir no tempo adequado seus estudos. Acho que criar o EJA diurno pode fazer com que esta modalidade se perpetue como uma saída permanente e não provisória, caso o ensino fundamental não encontre e corrija os motivos pelos quais as nossas crianças e adolescentes não aprendam em sala de aula e continuem com repetências múltiplas.

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  2. Caro Professor da EJA. Agradeço seu comentário. Concordo plenamente com suas observações. Igualmente compartilho da posição de que "mais que criar EJAs diurnos para os adolescentes devemos repensar em melhorar as estruturas de nossa escola regular (fundamental) para que nossas crianças e adolescentes possam concluir no tempo adequado seus estudos". A grande questão é quando isso não ocorre, infelizmente, então, talvez com uma proposta desta possamos provocar tal "repensar". Quanto à perpetuação, também é outro ponto importante, senão estaríamos apenas trocando o noturno pelo diurno e não resolvendo a questão. por isso propomos o limite de dois anos por escola para os devidos ajustes. Obrigado pela contribuição. Abraços

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