Um debate se apresenta de forma urgente: que medidas podem ser adotadas para se evitar a grande transferência de adolescentes para a EJA à noite?
Adolescentes assistem palestra na EMEF João Paulo I
O presente documento encaminhado ao Conselho Municipal de Educação de Canoas recebeu Parecer favorável com a ressalva de que a adoção de tais turmas pelas escolas não implique na negação da oferta de vagas para os alunos em idade regular para ingresso no ensino fundamental. Claro deve ficar também, que o objetivo era encontrar um dispositivo no Regimento da EJA que amparasse as escolas de desejassem a criação das turmas de EJA diurnas para adolescentes entre 15 e 17 anos de idade, preferencialmente. Nada de forma compulsória.
Com o advento dos EREJAs e do IV SNF, submeto o documento como forma de provocar uma discussão aberta tanto no endosso como na contestação para elencar uma conjunção de argumentos que aprofundem o tema proposto.
Boa Leitura!
EJA – EDUCAÇÃO
JUVENTUDE CIDADÃ – UMA PROPOSTA DE POLÍTICA PÚBLICA PARA ANÁLISE DO CONSELHO
MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO (CME) DE CANOAS
INTRODUÇÃO
O
sistema educacional apresenta diferentes modalidades e níveis de ensino, mas
tal como um mosaico, todos são peças de uma estrutura que resulta da
justaposição de suas partes com interferência umas nas outras para o devido
encaixe. Logo, o formato de uma peça acaba sendo estabelecido ou moldado de
acordo com o formato da peça anexa.
A
Educação de Jovens e Adultos, seguindo a metáfora, é uma das peças desse imenso
mosaico que compõe o painel da educação, e como tal, não pode ser vista
separadamente, pois sofre ou exerce influência sobre outras partes.
Do
ponto de vista teórico, a Educação de Jovens e Adultos existe no sentido de
cumprir entre suas funções, a reparadora (Cury, Parecer CEB nº 11/2000).
“...a Educação de Jovens
e Adultos (EJA) representa uma dívida social não reparada para os que não
tiveram acesso a e nem domínio da escrita e leitura como bens sociais, na
escola ou fora dela...” (Cury p. 5)
“... Fazer a reparação
desta realidade [existência de grupos sociais excluídos], dívida inscrita em
nossa história social e na vida de tantos indivíduos, é um imperativo e um dos
fins da EJA porque reconhece o advento para todos deste princípio de
igualdade.” (Cury p. 6).
“... a função reparadora
da EJA, no limite, significa não só a entrada no circuito dos direitos civis
pela restauração de um direito negado: o direito a uma escola de qualidade, mas
também o reconhecimento daquela igualdade ontológica de todo e qualquer ser
humano. Desta negação, evidente na história brasileira, resulta uma perda: o
acesso a um bem real, social e simbolicamente importante.” (Cury p. 7)
“O término de uma tal
discriminação não é uma tarefa exclusiva da educação escolar. Esta e outras
formas de discriminação não tem o seu nascedouro na escola. A educação escolar,
ainda que imprescindível, participa dos sistemas sociais, mas ela não é o todo
destes sistemas. Daí que a busca de uma sociedade menos desigual e mais justa
continue a ser alvo a ser atingido em países como o Brasil”. (Cury p. 7)
“... a universalização do
ensino fundamental, até por sua história, abre caminho para que mais cidadãos
possam se apropriar de conhecimentos
avançados tão necessários para a
consolidação de pessoas mais solidárias e de países mais autônomos e
democráticos. E, num mercado de trabalho onde a exigência do ensino médio vai
se impondo, a necessidade do ensino fundamental é uma verdadeira corrida contra
um tempo de exclusão não mais tolerável.” (Cury p. 8)
“... A igualdade e a desigualdade
continuam a ter relação imediata ou mediata com o trabalho. Mas seja para o
trabalho, seja para a multiformidade de inserções sócio-político-culturais,
aqueles que se virem privados do saber básico, dos conhecimentos aplicados e
das atualizações requeridas podem se ver excluídos das antigas e novas
oportunidades do mercado de trabalho e vulneráveis a novas formas de desigualdades.” (Cury p. 9)
Há
uma fatura a ser quitada, digamos assim. Essa dívida não pode ser eternizada,
sob pena do Estado e da sociedade jamais conseguirem reparar a injustiça social
estabelecida historicamente. Somando-se a isso, muito menos permitir que novas
dívidas venham a surgir na contemporaneidade perpetuando a desigualdade. Nesta
linha de raciocínio, o ingresso de educandos na modalidade EJA deve ter
tendência à diminuição como prova do efetivo reparo.
Em
meu estudo recente sobre a questão da evasão na educação de jovens e adultos,
faço uma abordagem sobre a juvenilização crescente na modalidade, cuja maior
oferta ou quase que exclusivamente ocorre no noturno. Essa abordagem faz parte
da minha Tese de Conclusão de Curso do Curso de Especialização em Educação de
Jovens e Adultos e Privados de Liberdade, ministrado pela Universidade Federal
do Rio Grande do Sul. A seguir, menciono o trecho sobre tal tema como forma de
consubstanciar a argumentação para a criação da EJA - Educação Juventude
Cidadã:
DISTORÇÃO IDADE-SÉRIE: SEARA DA EJA
A tradição e as crenças alicerçam a
ideia de que a educação ou o grau de estudo está associado ao sucesso.
Historicamente, é o elemento propulsor para associar as trajetórias de vidas às
salas de aula. Formar-se e ter um diploma, é sinônimo de realização pessoal,
profissional e de abertura de oportunidades ao longo da vida.
A educação de jovens e adultos surge
como alternativa para aqueles que não tiveram a chance de estudar na idade
adequada. Seja porque seus direitos não foram respeitados pelo poder público ou
em função das necessidades imediatas inerentes à própria vida, como o trabalho
precoce, o que sob a égide do Estado capitalista não deixa de estar associado
ao primeiro elemento.
Segundo Sônia Maria Rummert, em
Educação de jovens e adultos trabalhadores no Brasil atual: do simulacro à
emancipação,
Para
compreendermos a educação de jovens e adultos trabalhadores, em sua atual
configuração, faz-se necessário tomá-la em sua historicidade, relacionando-a
aos determinantes socioeconômicos que a condicionam. A partir do ciclo
econômico iniciado na década de 1930 e que tomou corpo a partir dos anos 1950,
adquire forma o processo de industrialização, cuja matriz cultural assentava-se
em três pontos centrais: o fetiche do progresso e do desenvolvimento de cariz
conservador, a ênfase na virtuosidade do trabalho sob os moldes da lógica
capitalista e a promessa de ascensão social pela via da educação (p.178/179).
Mesmo os jovens, acima de 15 anos,
que hoje superlotam as salas da modalidade EJA, de uma forma ou outra, ao ingressarem
nas estatísticas da distorção idade-série, também foram e são vítimas de um
sistema que os impulsiona a migrar para educação de jovens e adultos. O avanço
da idade e suas consequências, levando ao desajuste frente aos pequenos na sala
de aula, as múltiplas repetências, os alegados atos de indisciplinas e a busca
de autonomia tendo o trabalho como condição para a mesma são também elementos
condicionantes para a migração para a EJA.
Embora analisando a partir de
estudos realizados junto aos educandos do ensino médio, Carmen Brunel, na obra
Jovens cada vez mais jovens na educação de jovens e adultos, oferece, por
analogia, contribuição também para a juvenilização crescente no ensino
fundamental da modalidade EJA, destacando:
O
rejuvenescimento da população que frequenta a Educação de Jovens e Adultos
(EJA) é um fato que vem progressivamente ocupando a atenção de educadores e
pesquisadores na área da educação. O número de jovens e adolescentes nesta
modalidade de ensino cresce a cada ano, modificando o cotidiano escolar e as
relações que se estabelecem entre os sujeitos que ocupam este espaço.
Os
jovens, quando chegam nesta modalidade, em geral, estão desmotivados,
desencantados com a escola regular, com histórico de repetência de um, dois,
três anos ou mais. Muitos deles sentem-se perdidos no contexto atual,
principalmente em relação ao emprego e à importância do estudo para a sua vida
e inserção no mercado de trabalho (p.9).
Sabedores
de que este mercado, hoje, é extremamente restrito, seletivo e que exige o
máximo de qualificação, faz com que optem por uma modalidade de ensino que seja
mais rápida do que a escola regular (p.89).
Nesta
procura, a EJA apresenta-se como uma opção atraente, [e] lhes proporciona a
oportunidade de concluir os seus estudos num curto espaço de tempo, que na
escola regular seria impossível (p.90).
No artigo EJA: lutas e conquistas! –
a luta continua: formação de professores em EJA, publicado na Revista Reveja,
Laura Souza Fonseca cita:
A
Educação Brasileira tem constituído significativos grupos de brasileiras/os
expulsas/os da/na escola. Como nos traz Ferraro (1991), aquelas/es que não têm
acesso, além das/os que o têm, mas não permanecem porque o sistema e as
práticas educativas revelam-se incompatíveis para acolher e interagir com
sujeitos pensantes e desejantes. Essa mesma escola que expulsa crianças,
criando-lhes o estigma da ignorância, não pode ser capaz de interagir com os
adultos, expulsos na infância, nem com a juventude que crescentemente vem sendo
excluída da escola diurna. Desse modo, a continuar a escola tal como a temos
manter-se-á um gerador permanente de demanda para a EJA.
Tais palavras permanecem
extremamente atuais. De acordo com a matéria “Avaliação do RS, Baixo desempenho
na educação”, publicada no Jornal Zero Hora, no dia 8 de fevereiro de 2012, um em cada três estudantes gaúchos permanece
no Ensino Fundamental mesmo depois de completar 16 anos – idade acima do
recomendado, retardando o processo de aprendizagem. Consta ainda na
reportagem que de acordo com o professor da Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo (USP) Ocimar Munhoz Alavarse:
...
esses estudantes, direta ou indiretamente, exercem pressão para que se amplie o
Ensino de Jovens e Adultos (EJA) – uma modalidade que deveria caminhar para a
extinção... O melhor dos mundos é quando os estudantes concluem o ensino médio
com 16 anos. Mas, infelizmente, o Brasil está longe disso.
Conforme o relatório do Fundo das
Nações Unidas para a Infância (UNICEF) Situação da Adolescência Brasileira 2011
– O Direito de Ser Adolescente: Oportunidade para reduzir vulnerabilidades e
superar desigualdades,
a
baixa escolaridade resulta de um processo de exclusão que tem suas origens nos
primeiros anos de vida dos adolescentes... As crianças e adolescentes chegam à
escola, mas muitos deles não conseguem aprender e conquistar avanços em sua
escolaridade por uma série de fatores relacionados à qualidade da educação e à
precariedade do ambiente de aprendizagem. Pouco estimulados e apoiados, algumas
vezes pressionados a contribuir para a renda familiar, crianças e adolescentes
iniciam um ciclo de repetência e acabam abandonando os estudos. À medida que as
séries escolares avançam, aumentam os índices de distorção idade-série e de
evasão... O abandono está diretamente ligado à trajetória de repetências que
cria a chamada distorção idade-série, ou seja, crianças e adolescentes que
cursam uma série escolar diferente daquela prevista para sua idade.
O mesmo relatório fornece alguns
dados estatísticos:
No
Brasil, em 2009, do total de meninos e meninas de 15 a 17 anos, 85,2% estavam
matriculados na escola. Porém, apenas pouco mais da metade deles (50,9%)
estavam no nível adequado para sua idade: o ensino médio. Os demais (49,1%)
ainda cursavam o ensino fundamental.
No
mesmo ano, do total de 2,3 milhões de concluintes do ensino fundamental, 1,09
milhão (ou mais de 47%) tinham entre 15 e 17 anos: encontravam-se atrasados em
seus estudos.
O
acúmulo de repetências e abandono faz com que a escolaridade média de um
adolescente brasileiro de 15 a
17 anos seja de 7,3 anos de estudo. Isto quer dizer que, em média, os
brasileiros nesta faixa etária sequer completaram o ensino fundamental de
ensino, que implica nove anos de estudo.
PARTICULARIZANDO
O MUNICÍPIO DE CANOAS
Inserido neste contexto está o
município de Canoas. Conforme levantamento efetuado pela Unidade Administrativa
da Secretaria Municipal de Educação, o número de alunos em distorção
idade-série com 15 anos de idade ou mais, no diurno, em 2009, foi de 1.212. Em
2010 subiu para 1.789 e no ano de 2011 quase que se estabeleceu numa média
entre os dois anos anteriores com 1.428 alunos. A tendência é grande parte
deste número de educandos migrarem para a EJA.
Outro dado significativo é o número
de inscrições e rematrículas, por idade, realizadas na educação de jovens e
adultos para o ano de 2012, onde o contingente de adolescentes entre 15 e 17
anos representou 53,5% dos educandos, o que atesta a crescente juvenilização da
modalidade.
Logo,
o município segue a lógica até então diagnosticada, com uma forte migração dos
alunos do ensino regular do diurno para a educação de jovens e adultos no
noturno, caracterizando uma juvenilização desta modalidade. Os dados
estatísticos evidenciam o raciocínio traçado até aqui, ou seja, um aumento no
número de matrículas na EJA. A maioria não trabalha ou devido ao avanço da
idade e as necessidades de ordem econômica procuram iniciar sua jornada no
mercado de mercado. Como forma de atender essa forte demanda, o município
investe em políticas públicas voltadas para equacionar esse problema.
Uma
delas foi a implantação de uma turma de EJA no diurno de forma experimental
neste ano de 2012. Essa turma, em consonância com a Resolução nº 3, de 15 de
junho de 2010, atende seu Art. 5º, cujo Parágrafo único diz:
Para que haja oferta variada para o
pleno atendimento dos adolescentes, jovens e adultos situados na faixa de 15
(quinze) anos ou mais, com defasagem idade-série, tanto sequencialmente no
ensino regular quanto na Educação de Jovens e Adultos, assim como nos cursos
destinados à formação profissional, nos termos do § 3º do artigo 37 da Lei nº
9.394/96, torna-se necessário:
I – fazer a chamada ampliada de
estudantes para o Ensino Fundamental em todas as modalidades, tal como se faz a
chamada das pessoas de faixa etária obrigatória de ensino;
II – incentivar e apoiar as redes e
sistemas de ensino a estabelecerem, de forma colaborativa, política para
atendimento dos estudantes adolescentes de 15 (quinze) a 17 (dezessete) anos,
garantindo a utilização de mecanismos específicos para esse tipo de alunado que
considerem suas potencialidades, necessidades, expectativas em relação à vida,
às culturas juvenis e ao mundo do trabalho, tal como prevê o artigo 37 da Lei
nº 9.394/96, inclusive com programas de aceleração da aprendizagem, quando
necessário;
III – incentivar a oferta de EJA nos
períodos escolares diurno e noturno, com avaliação em processo.
Agregamos aqui, o artigo Dívida com a EJA, publicado na coluna
Debate Legal da Revista Escola – Gestão Escolar, agosto/setembro 2011, de autoria
do professor de Políticas Educacionais da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, Juca Gil:
Chama
a atenção o fato [da resolução CNE/CEB nº 3/2010] incentivar políticas
específicas para os adolescentes de 15 a 17 anos devido à compreensão de que esses
teriam características e necessidades diferenciadas dos demais alunos da EJA. A
modalidade precisa ser adequada também para os cidadãos hospitalizados, ou
privados de liberdade, as populações indígenas e quilombolas e os moradores do
campo.
E
mesmo para os habitantes das grandes cidades é necessário romper com alguns
costumes, como o fato de a oferta de EJA ser predominantemente realizada no
período noturno. Os não escolarizados que trabalham nas madrugadas estudarão
quando? Os vigias noturnos e as faxineiras dos prontos-socorros e dos shopping
centers estão fadadas a não ter diploma? As cozinheiras e os garçons que
garantem nosso jantar não podem ir à escola? A dona de casa que precisa ficar à
noite em casa com seus filhos e marido perde o direito ao ensino? Como fazem
aqueles que vivem em regiões assoladas pela violência e têm de permanecer em
casa quando a noite cai?
É
essencial manter as escolas abertas nos períodos matutino e vespertino
para os jovens e adultos estudarem. Um modelo único tende a não respeitar as
especificidades dos diversos perfis a que a modalidade atende, tornando-o
propenso ao fracasso. Será que é tão difícil adequá-lo às demandas de seu
público?
A
transferência discente se comprova na medida em que analisamos os dados sobre o
número de matrículas na EJA em igual período. Vamos tomar por base as séries
finais do ensino fundamental.
MATRÍCULAS
|
|||
Escolas
|
2007
|
2008
|
2009
|
TOTAL
|
4183
|
4732
|
5086
|
Fonte: Unidade Administrativa - SME
A
evasão na EJA então, sob esse prisma, pode ser considerada como uma nova
“injustiça social”, o que a torna um tema preocupante, fazendo com que esta
modalidade descumpra suas funções: reparadora,
equalizadora e qualificadora (Jamil Cury, Parecer 11/2000, p. 5).
Mas adequar a EJA às exigências da
tripla função significa fornecer as condições necessárias para o pleno
atendimento das mesmas. E aqui, o olhar recai sobre o poder público constituído
através das diferentes formas de expressões e olhares dos governos responsáveis
por essas condições.
Não obstante, além dos argumentos
até então elencados, acrescentamos um último elemento configurado na matéria do
Jornal Zero Hora do dia 2 de julho do corrente ano (anexo), cuja manchete de
capa destaca: “Adolescentes mudam o
perfil do ensino de jovens e adultos no RS”, trazendo ainda que; “Contrariando tendência nacional de queda, a
quantidade de menores de 18 anos no supletivo aumenta ano após ano no Estado.
Só em 2010, cresceu 10%”. Em seu interior, o diário intitula a reportagem
como: “Escola abreviada – Febre
adolescente no supletivo”, destacando entre “os porquês do fenômeno”; a
reprovação, as dificuldades socioeconômicas, a gravidez na adolescência, o
mercado de trabalho e a facilidade do atalho para a conclusão do ensino
fundamental.
Porém, é bom que se destaque que nem
todos os jovens que ingressam na EJA e, consequentemente, em nosso município no
noturno, estão inseridos no mercado de trabalho. Assim, durante o dia não estão
estudando e nem trabalhando, permanecendo de forma ociosa quando grande parte
dos pais trabalha fora para manterem a família. Não sendo o tema aqui, cabe
refletir sobre tal situação temerária, com a possibilidade de consequências de
aspectos negativos para esses jovens dentro de uma realidade social conturbada.
Neste tocante, recorro à obra do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da
Criança e do Adolescente do Ministério Público do Estado do Paraná, de título Estatuto
da Criança e do Adolescente Anotado e Interpretado, Lei nº 8.069, de 13 de
julho de 1990 (atualizado até a Lei nº 12.010, de 03 de agosto de 2009) de
autoria de Murillo José Digiácomo e
Ildeara de Amorim Digiácomo, quando da abordagem do Inciso VI do Art. 54 do
ECA, o qual diz: “É dever do Estado assegurar à criança e ao
adolescente oferta de ensino noturno
regular, adequado às condições do adolescente trabalhador. Interpretam
os autores:
Da
inteligência do dispositivo, que vincula o ensino noturno ao trabalho do
adolescente, fica claro que deve ser o quanto possível evitada a
matrícula de crianças ou adolescentes no ensino noturno, o que somente deverá
ocorrer caso comprovada a necessidade, em razão do trabalho, na condição de
aprendiz, a partir dos 14 (quatorze) anos, ou trabalho regular, a partir dos 16
(dezesseis) anos de idade. Além dos “perigos” da noite, que por si só já não
tornam recomendável o estudo no período noturno, parte-se do princípio que este
é atentatório à convivência familiar da criança/adolescente com seus pais ou
responsável, na medida em que estes geralmente trabalham durante o dia e
somente teriam contato com aqueles à noite. O estudo noturno, portanto, reduz
sobremaneira, quando não impede por completo, o contato diário da
criança/adolescente com seus pais ou responsável, expondo-os a perigos e a toda
sorte de influência negativa externa, com evidentes prejuízos à sua formação.
Importante também destacar que a proposta pedagógica oferecida aos
adolescentes que trabalham, assim como aos jovens que apresentam defasagem
idade-série, deve ser diferenciada e altamente especializada, de
modo a atender suas necessidades pedagógicas específicas, respeitando as
peculiaridades destas categorias de alunos. Os professores encarregados de
ministrar as aulas também deverão ser adequadamente selecionados e capacitados
(valendo neste sentido observar o disposto no art. 62, da LDB), devendo ser
dado ênfase ao desenvolvimento de novas propostas relativas à metodologia,
didática e avaliação tal qual previsto no art. 57, do ECA (pág. 75).
Seguindo novamente a reportagem, igualmente,
como ponto de reflexão, é bom destacar o que diz a Coordenadora da EJA estadual
Adriana Soares Rodrigues quando questionada sobre os motivos de tal fenômeno:
“Não
gostaria de emitir um diagnóstico, porque não fizemos essa discussão. Temos de
nos debruçar sobre o tema para entender melhor.”
Mais adiante, enfatiza:
“Se
o jovem não concluiu o fundamental até os 14 anos de idade, significa que teve
um percurso acidentado. Estar no EJA não significa um empobrecimento da
educação dessa pessoa. É dar conta das características dessa pessoa ... da
idade, o que, às vezes, a proposta pedagógica da escola seriada não faz.”
Na mesma linha, a professora Maria
Conceição Pillon Christofoli, da Faculdade de Educação da Pontifícia
Universidade Católica (PUCRS), interpreta o fenômeno como um sintoma de
problemas na escola regular, que não está conseguindo lidar com a diversidade
de idades em sala de aula adequadamente.
Em resposta à pergunta: Por que
adolescentes estão migrando para o EJA, a doutora em educação Carmen Teresinha
Brunel do Nascimento, já citada nesta dissertação, coloca:
“Esse
fenômeno surgiu na década de 90 e vem se acentuando. A escola ainda é lugar da
infância. Quando chega à 6ª ou 7ª série, o adolescente, muitas vezes, não se
encontra mais, porque a escola não mudou. Depois de uma ou duas reprovações,
ele é o maior da turma e quer encontrar outro local, com o qual se identifique.
Essa situação mostra que a escola regular não está bem e que precisa mudar. A
juvenilização é só a ponta do iceberg.”
Bem, o objeto deste arrazoado não é
“debruçar-se” sobre o tema “ensino/escola regular” e a sua funcionalidade,
muito embora pareça inequívoca tal necessidade. Se a média nacional da presença
de adolescentes na EJA é de 14,7% e no Rio Grande do Sul é de 23,4%, conforme a
reportagem, preocupante é constatar, mesmo que informalmente, que o município
de Canoas se depara com o índice de 53,5%.
Concluindo, é premente a necessidade
de apresentarmos alternativas para ajustarmos tal distorção. Mesmo que, havendo
alguns entendimentos de que não cabe tal iniciativa política à modalidade de
Educação de Jovens e Adultos, é inegável que é sobre ela que recaem as
consequências do contexto. Portanto, mesmo compreendendo as especificidades de
cada segmento da educação pública, não devemos nos furtar do entendimento de
que os fragmentos formam um todo em termos de políticas públicas para a
educação por parte da mantenedora, à qual essa modalidade está vinculada. Tal
abordagem e proposta a seguir, pretende ser no mínimo provocadora, bem como
traz a consciência de que a EJA procura cumprir seu papel.
RECORRENDO
AO REGIMENTO ESCOLAR DA MODALIDADE EJA
Desnecessário
reproduzir o aqui já citado Parágrafo único do Art. 5º da Resolução nº 3, de 15
de junho de 2010. Mas devemos salientar que a educação de jovens e adultos do
município de Canoas possui seu Regimento padrão, aprovado em 2011 pelo Conselho
Municipal de Educação - CME, o qual, em seu Artigo 1º, dentro das finalidades e
objetivos, grifando a parte coadunada com o texto da Resolução Nacional, faz constar
o seguinte:
“A
Educação de Jovens e Adultos – EJA, mantida pelo poder público municipal de
Canoas, como modalidade do Ensino Fundamental, constitui-se direito dos jovens
e adultos, tendo atribuição de assegurar, gratuitamente, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características
dos educandos, seus interesses, suas condições de vida e de trabalho,
mediante educação de qualidade àqueles que não tiveram acesso e/ou não
concluíram o Ensino Fundamental na idade própria.”
Com base em ambos, também agregamos,
parcialmente, o inciso VII do Art. 6º do referido Regimento, o qual faz menção
ao:
“Projeto
EJA – Educação Cidadã, referente à Totalidade
2 para educandos acima de 18 anos, seguindo os princípios de uma metodologia transdisciplinar com a ministração das
aulas de somente um profissional – unidocência.”
Invocando esse último somente no
tocante à Totalidade 2 e à unidocência e, associando-o à Resolução CNE/CEB nº
3/2010, Art. 5º e seus parágrafos no que se refere ao incentivo de políticas “para atendimento dos estudantes adolescentes
de 15 (quinze) a 17 (dezessete) anos, garantindo a utilização de mecanismos
específicos para esse tipo de alunado” como “a oferta de EJA nos períodos escolares diurno”, propomos:
1) ACRESCENTAR
AO REGIMENTO DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS O INCISO VIII NO ARTIGO 6º COM O
SEGUINTE TEOR: OFERTA DIURNA DA MODALIDADE DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS,
PREFERENCIALMENTE AOS EDUCANDOS EM DISTORÇÃO IDADE-SÉRIE
ENTRE 15 (QUINZE) E 17 (DEZESSETE) ANOS DE IDADE, DENOMINADA
EJA – EDUCAÇÃO JUVENTUDE CIDADÃ, REFERENTE À TOTALIDADE 2 DO 2º SEGMENTO, COM
BASE NA UNIDOCÊNCIA E CONHECIMENTO INTEGRAL.
2) AGREGAR
À PROPOSTA PEDAGÓGICA E CURRICULAR DA EJA, NA PÁG. 23, JUNTO AO TÍTULO EDUCAÇÃO
CIDADÃ, O ÍTEM EJA – EDUCAÇÃO JUVENTUDE CIDADÃ, ASSIM FICANDO: EDUCAÇÃO CIDADÃ
E JUVENTUDE CIDADÃ.
Obs.
No corpo do texto correspondente ao item, substituir no 1º parágrafo, o termo
trabalhadores envolvidos por educandos envolvidos.
3) DELIMITAR
O PRAZO DE 2 ANOS COMO PERÍODO MÁXIMO PARA A EXISTÊNCIA DA(S) TURMA(S), POR
ESCOLA, TEMPO ENTENDIDO COMO IDEAL PARA O DESEJADO AJUSTE DISTORÇÃO
IDADE-SÉRIE.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Conforme mencionado, a EJA – Educação
Juventude Cidadã, cujo laboratório se localiza na EMEF Duque de Caxias,
consiste numa proposta, com suporte legal, a ser apresentada para as escolas
municipais que convivem com um grande número de alunos na distorção idade-série,
evitando o fluxo constante para o noturno desses adolescentes não inseridos no
mercado de trabalho, trazendo uma maior tranquilidade para a família dos mesmos
e uma forma de tentar sanar uma preocupação constante do poder público no que
se refere à segurança e a ações de prevenção à criminalidade e/ou delitos a que
nossos jovens ficam sujeitos/vulneráveis.
A unidocência é uma maneira de
estabelecer um vínculo maior entre educador e educandos, apostando na
afetividade como forma de reduzir a evasão.
Nunca é demais mencionar, que embora
os educadores da EJA tenham que conviver cada vez mais com a necessidade de
conciliação entre os interesses e as diferentes idades e realidades encontradas
em sala de aula, na prática, por vezes, o aprendizado fica comprometido pelos
mundos sociointerativos desencontrados entre adolescentes e adultos. Não raras
vezes, o educador menciona o alto contingente de adolescentes à noite como
fator inibidor da presença e até de “expulsão” dos adultos que trabalham
diariamente e que cansados não compactuam com o comportamento “frenético”,
digamos assim, do jovem adolescente, o que se configura em motivo de evasão, da
qual, até mesmo os jovens são acometidos em grande número no noturno.
Entendemos, pelos argumentos aqui
levantados e sustentados, ser exequível tal proposta.
Prof.
ALEXANDRE RAFAEL DA ROSA
Gestor
da Unidade EJA
REFERÊNCIAS
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para reduzir vulnerabilidade e superar desigualdades. Brasília, DF: UNICEF,
2011.
Acredito que o assunto é de grande relevância. Temos realmente que compreender melhor o por quê das múltiplas repetências a que estes jovens inseridos na escola regular estão sujeitos, fazendo com que estes busquem na modalidade EJA uma oportunidade de corrigir a distorção idade/ano/série. Acredito que muitos destes acabam por entender em sua adolescência que finalmente os estudos são importantes para o ingresso no mercado de trabalho (mercado este que está cada vez mais exigente quanto a escolaridade e conhecimento). Nossa realidade hoje, mais que capitalista, é de conhecimento (capital intelectual), pois esse traz consigo muitas e melhores oportunidades. Penso que mais que criar EJAs diurnos para os adolescentes devemos repensar em melhorar as estruturas de nossa escola regular (fundamental)para que nossas crianças e adolescentes possam concluir no tempo adequado seus estudos. Acho que criar o EJA diurno pode fazer com que esta modalidade se perpetue como uma saída permanente e não provisória, caso o ensino fundamental não encontre e corrija os motivos pelos quais as nossas crianças e adolescentes não aprendam em sala de aula e continuem com repetências múltiplas.
ResponderExcluirCaro Professor da EJA. Agradeço seu comentário. Concordo plenamente com suas observações. Igualmente compartilho da posição de que "mais que criar EJAs diurnos para os adolescentes devemos repensar em melhorar as estruturas de nossa escola regular (fundamental) para que nossas crianças e adolescentes possam concluir no tempo adequado seus estudos". A grande questão é quando isso não ocorre, infelizmente, então, talvez com uma proposta desta possamos provocar tal "repensar". Quanto à perpetuação, também é outro ponto importante, senão estaríamos apenas trocando o noturno pelo diurno e não resolvendo a questão. por isso propomos o limite de dois anos por escola para os devidos ajustes. Obrigado pela contribuição. Abraços
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